Filipe Ferreira – “Trabalhamos no e para o setor”


Data: 17 Novembro, 2016

Defendendo que as empresas devem ter um posicionamento responsável no mercado, Filipe Ferreira, administrador da Sonicel e da AD Portugal, reitera que o setor tem de trabalhar em conjunto, porque o sucesso de cada um só poderá ser atingido com a satisfação do cliente final.

TEXTO ANDREIA AMARAL FOTOS JOSÉ BISPO

A caminho de celebrarem dez anos de união, a Sonicel e a AD Portugal apresentam-se mais fortes que nunca, como o atestam os 24 milhões de euros faturados em 2015. A aposta estratégica em produtos de qualidade, na proximidade ao cliente e na valorização dos recursos humanos, a par do investimento em logística, têm sido a força motriz do crescimento. Em entrevista, Filipe Ferreira afirma que aumentar os pontos de venda, investir na formação e lançar a rede de oficinas abandeiradas são prioridades.

A incorporação AD foi vantajosa para a empresa, permitindo prepará-la melhor para os desafios atuais?

Sem dúvida! Foi uma aposta muito acertada. A Sonicel, que tem uma história com mais de 30 anos, assenta a sua presença no mercado em duas plataformas logísticas, uma no Norte e outra em Carnaxide, tendo uma grande relevância na revenda. O incorporar da AD veio claramente abrir ao grupo a perspetiva e a proximidade ao setor da reparação e ao mercado regional, com onze pontos de venda próprios e um total de mais de duas dezenas de pontos dispersos pelo país.

Depois, as empresas, independentemente de se apresentarem de forma distinta no mercado, passaram a disponibilizar de uma oferta conjunta, com claro benefício para o cliente. Por exemplo, a Sonicel não disponibilizava soluções de diagnóstico, porque a sua comercialização implica todo um serviço de após-venda ao nível das atualizações e da formação, ou seja, prossupõe toda uma estrutura de apoio ao mercado que não existia e que surgiu com a incorporação, uma vez que passou também a usufruir da componente técnica e de suporte que veio da AD. Abriu-se um conjunto de oportunidades.

O que motivou a decisão de manter a Sonicel?

Temos ainda um mercado muito segmentado, que é feito de oficinas de reparação, mas também de revendedores, e sabemos que o sucesso da presença em alguns segmentos do mercado passa pela fidelização e pela boa relação com a revenda. É esse o canal para o qual a Sonicel trabalha, mantendo relações de décadas, enquanto a AD trabalha o mercado da reparação. Esta clarificação tem trazido grandes vantagens, porque elucidou o mercado e eliminou a duplicação de esforços comerciais, que tínhamos, e com danos na qualidade, porque quase existia uma concorrência interna. Eliminámos redundâncias e posicionámo-nos claramente no mercado, com interlocutores específicos para cada área.

O mercado absorveu com facilidade a mudança?

Por razões culturais, em Portugal, os mercados locais são mais ou menos afetos aos seus revendedores, com quem mantêm uma relação de grande proximidade, de amizade e quase familiar. Olhamos para o mercado com a vontade de desenvolvê-lo e de o apoiar, até porque fruto dos reajustes a que a crise obrigou, as empresas de revenda perderam alguma capacidade financeira para fazer grandes stocks e esse esforço e responsabilidade passaram diretamente para o importador. Como consequência, a pressão que hoje é exercida no importador é muito maior do que aquela que existia há uns dez anos. É uma verdade inequívoca e que obriga a uma gestão muito criteriosa. Esta questão levantou uma grande preocupação no setor: a logística e a capacidade de entrega. O mercado passou a exigir mais a este nível, com entregas quase imediatas que colocam pressão sobre todos, mas, acima de tudo, sobre o importador, que tem de fazer grandes investimentos nesta área. Este é um dos grandes desafios que o aftermarket enfrenta, porque é a capacidade de gerir este tipo de aspetos que vai fazendo a diferença no setor e que vai fazendo as empresas crescerem de forma sustentável, mantendo os seus níveis de rentabilidade.

Considera que essa necessidade impulsionou a tendência de concentração e o surgimento de grandes grupos?

Efetivamente, temos assistido ao surgimento de grandes grupos, sendo que, de alguns, nem sequer sabemos qual a sua natureza, visto que não têm o aftermarket no seu ADN, mas sim outras atividades da área automóvel ou fundos de investimento. Costumo dizer que há grupos e grupos. O Grupo AD é o maior grupo da Europa de distribuição de peças e tem um foco permanente no desenvolvimento do setor e no apoio à oficina. Trabalhamos claramente no e para o setor e é preciso diferenciar este posicionamento. Claro que as dificuldades que muitas empresas de importação sentiram levaram-nas em busca de outro poder negocial. É completamente diferente trabalhar sozinho ou num grupo, que, faz negociações diretas com o fabricante, conseguindo melhores condições de compra e maior rentabilidade. Nestes casos, é uma questão de concorrência, que é sempre bem-vinda e que permite o desenvolvimento do setor.

 

CRESCER COM SATIFAÇÃO

O desenvolvimento do setor é uma preocupação permanente da AD?

Cada empresa luta pela sua quota de mercado e contra os seus concorrentes, o que é normal. Sermos melhores do que a concorrência implica reinventar a forma como fazemos as coisas e a nossa presença no mercado, para dar um maior valor acrescentado aos clientes. Temos de procurar novas soluções que nos permitam sermos melhores e, ao fazê-lo, estamos a promover o desenvolvimento do setor, conquistando mais clientes para o aftermarket em detrimento do OE. Sempre que trabalhamos no sentido da melhoria do serviço e da satisfação do cliente estamos a ajudar o setor a crescer e a ganhar quota de mercado.

Mas cada empresa tem a sua estratégia… No grupo AD assumimos a responsabilidade de desenvolver os conceitos e promover as melhorias ao nível da reparação por via de um cada vez maior acesso à informação, à formação, à tecnologia da reparação e ao próprio mercado. Quer se tenha uma grande capacidade de stock ou não, é essencial ter uma excelente logística e pessoas competentes e motivadas. Trabalhamos num setor em que um erro, por muito mínimo que possa parecer, pode ter dimensões e impactos enormes. Neste setor, vivemos de detalhes e para garanti-los temos de ter pessoas competentes.

Algo que só se consegue com a valorização dos recursos humanos…

A profissionalização neste setor tem vindo a melhorar ao longo dos anos, mas é algo que precisa de ainda mais desenvolvimento.

Acha que a crise económica contribuiu para esta crescente profissionalização?

Vivemos num país que está permanentemente em crise, não me parece que esse seja o principal impulsionador da mudança. Mas a verdade é que, se antes, quando, por exemplo, a viatura apresentava um comportamento anormal em curva, substituíam-se logo os quatro amortecedores, hoje, as pessoas, se puderem, substituem só um. Nos cenários de crise, as empresas, tal como as famílias, tentam fazer a gestão criteriosa dos seus custos e o setor do aftermarket não foi exceção. Isso não significa que haja um desinvestimento em áreas que são capitais para o desenvolvimento, até porque uma coisa é fazer a gestão dos custos e outra é não fazer nada… Penso que, de uma maneira geral, as empresas como a nossa têm a responsabilidade de estar em constante dinâmica, por exemplo, dando formação. No grupo, organizamos ciclos de formação técnica, em parceria com os nossos fornecedores e com os fabricantes, para que os técnicos das oficinas estejam mais preparados. Só com esta formação podem continuar a promover uma das peças importantes do nosso negócio, que é o acrescentar valor à peça.

O crescimento está dependente da qualidade do serviço final?

A idade do nosso parque automóvel ainda é considerável, mas este parque vai sendo modernizado progressivamente e, à medida que entram novos modelos, mais tecnologia avançada existe. O setor da reparação tem de se preparar para estes desafios técnicos, porque senão perde claramente a capacidade de fazer um serviço ao cliente final. Para as oficinas independentes fazerem as manutenções e revisões das viaturas têm de ter equipamentos oficinais adequados, que também fazem parte do nosso ‘core’, porque hoje ninguém sobrevive só a vender peças. Esta necessidade de preparação é outro dos grandes desafios do aftermarket. Podemos falar de desafios ao nível da importação, da profissionalização do setor, da capacidade de stock, da rapidez e eficiência da cadeia logística, mas, no fim, a questão está sempre na reparação.

Vendemos peças para serem aplicadas nas viaturas e têm de ser aplicadas por pessoas competentes. A falta de competência na reparação leva muitas vezes a que uma peça que está perfeita do ponto de vista do fabrico seja mal aplicada, perdendo-se a garantia e levantando-se uma série de questões para o cliente. Este problema só tem uma solução, que passa pelo apoio técnico e pela formação contínua. O fabricante tem uma grande responsabilidade neste domínio, mas também nós, players com competência para desenvolver os mecanismos de formação e dar apoio à reparação, temos um papel a desempenhar.

É uma questão de sobrevivência do setor?

O que o aftermarket faz na cadeia é desdobrar-se em esforços para não perder o cliente, o que acaba por representar um custo. Por exemplo: um cliente muito bom reclama ao fornecedor; o fabricante não responde ou não aceita a reclamação; o cliente, que por vezes tem uma maneira peculiar de ver as coisas, diz “já não lhe compro mais…”; e o fornecedor acaba por aceder para não perder o cliente. Tem de se eliminar estes custos e, para isso, o último elo tem de funcionar. A oficina independente tem de se modernizar e estar cada vez mais preparada para fazer o serviço final, porque o que nos interessa, a nós e a todos, é que o cliente final saia da oficina satisfeitíssimo e assim se mantenha. Isto pressupõe competência técnica, mas também ao nível da comunicação, porque cada vez mais a oficina tem de ser proativa e estar em contacto com o cliente, enviando alertas sobre as necessidades do seu veículo, seja porque está no momento da revisão, de trocar os pneus ou outra coisa.

Algo que a telemática colocou na ordem do dia…

Essa questão tem levantado muita discussão. Colocou-se porque o fabricante automóvel entendeu que uma das formas que tinha para combater o aftermarket era garantir que, depois de o carro ser entregue, nunca mais perdia o contacto com o condutor. O conceito traduz-se numa série de tecnologias incorporadas na viatura que permitem dar conselhos ao condutor e levá-lo ao concessionário. Mas essas tecnologias, que ao princípio são caras, vão surgir no mercado e o aftermarket tem de ter uma resposta para elas. Os próprios fabricantes de componentes têm de estar preparados para proporcionar os serviços e os produtos necessários para que o aftermarket, no futuro, possa também ter essa competência. Hoje falamos de telemática, amanhã falamos de outra questão, mas o importante é acompanhar e fazer parte da solução. E quem tiver as competências necessárias e estiver atento ao mercado estará mais bem preparado para os desafios.

É por isso que a AD investe nos canais digitais e no contacto com o reparador?

É fundamental fazê-lo e essa é uma aposta que tem alguns anos no grupo AD. Trata-se de dar uma ajuda aos técnicos que é preciosa, porque, muitas vezes, a oficina tem dificuldades na reparação e este centro, através de um simples contacto telefónico, promove todo o tipo de apoio técnico necessário. O nosso objetivo é aumentar a adesão das nossas oficinas a esta ferramenta, porque percebemos que é essencial para ajudá-las no dia a dia.

 

COMBATER DIFICULDADES COM COMPETÊNCIA

A AD pretende aumentar a rede este ano?

Sim. Temos um projeto que pressupõe uma mudança importante no norte do país e temos em mente abrir mais pontos de venda, quer próprios, quer através dos membros associados.

E o conceito “AD Repairer”, de oficina abandeirada, também é para implementar em Portugal?

É um projeto que vamos desenvolver. Temos um projeto muito interessante, o Millennium, que contempla um conjunto de facilidades, funcionalidades e requisitos que vão ao encontro das necessidades das oficinas e, nesse âmbito, as oficinas que trabalham connosco podem aderir a esse programa. Contempla um conjunto de questões importantes e estratégicas para a própria oficina, como o acesso à formação, ao ‘call-center’ de apoio técnico, a ferramentas informáticas, para poderem ver esquemas gráficos e identificar esquemas específicos da reparação, a ferramentas de marketing e comunicação e a um programa de fidelização, que inclui, por exemplo, viagens de incentivo. Nesse projeto, queremos também fazer a tipificação da oficina por via dos nossos conceitos. É algo de que poderão esperar novidades em 2017.

E que lutas se avizinham? O combate ao produto ‘low-cost’ e à falsificação?…

Faz falta legislação para o setor. A “Block Exemption Regulation” trouxe o reconhecimento do aftermarket, de que, com a aplicação de peças de qualidade equiparada ao original, não havia perda de garantia, mas isso também abriu caminho para o aparecimento de muitas peças de qualidade inferior que são uma ameaça ao setor e a quem trabalha com produtos de qualidade, investigados, testados e certificados. Tem de haver um limite mínimo e no ‘low-cost’ o limiar entre alguma qualidade e nenhuma é difícil de identificar. Por exemplo, temos há vários anos a preocupação de a nossa oferta cumprir as normas das emissões dos gases para a atmosfera, mas em qualquer lado se encontra um produto que não cumpre as regras mínimas. A legislação devia de ter uma “mão mais pesada” no incumprimento das regras, porque se trata de concorrência desleal para uma empresa como a nossa, que opta por ter produtos de qualidade e que subscrevem e cumprem estas normas. Depois, há alguns “esquemas”, como a troca de referências e a venda de produtos de qualidade inferior em caixas de produtos ‘premium’, que deturpam o mercado e causam confusão sobre o preço real da peça, pressionando as rentabilidades das empresas cumpridoras. No fundo, falta transparência.

Mas as novas tecnologias não têm mitigado esse problema?

Sim, a maior visibilidade tem vindo a alterar muito significativamente o paradigma. O próprio setor começa a perceber que a aplicação, correta, de peças de qualidade só traz vantagens, tanto para o cliente como para o desenvolvimento do negócio.

E quais as perspetivas de fim de ano para a AD?

Vamos crescer este ano novamente e fazemo-lo de uma forma sustentada, com muita preocupação com a logística, a abertura de pontos, a mudança de pessoas e com a incorporação de pessoas com valor acrescentado. Queremos garantir um crescimento sustentado e isso só se alcança com os investimentos certos e com a consciência de que só crescemos se os nossos clientes também crescerem, por isso temos de apoiá-los.

 

Entrevista originalmente publicada na Turbo Oficina n.º54

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