Sérgio Vitorino – “Queremos instituir a carteira profissional no setor”


Data: 1 Setembro, 2016

Em franco crescimento e em fase de investimento em Portugal, a Dekra está apostada em dotar o setor automóvel de conhecimento e competência. Com esse objetivo, está a desenvolver a Dekra Academy e pretende instituir a carteira profissional.

 TEXTO ANDREIA AMARAL FOTOS JOSÉ BISPO

Depois da inauguração do seu primeiro centro de inspeção automóvel em Portugal, a Dekra continua a desenvolver novos projetos em território nacional. Nesse sentido, está a investir 20 milhões de euros no desenvolvimento de áreas de negócio como a formação, gestão de clientes, testes de estrada para novas viaturas e, claro, os centros de inspeção. Segundo Sérgio Vitorino, administrador da Dekra Portugal, em andamento está também a construção das novas instalações para a sede da empresa, projetadas de raiz para fazer face a um crescimento anual na ordem dos 35%, pretendendo atingir os 300 colaboradores em 2020.

A Dekra está a investir 20 milhões de euros em Portugal. Qual o foco deste investimento?

Vamos investir em diversas áreas. Temos programado um investimento de cerca de 15 milhões de euros nos centros de inspeção, em que pretendemos ter uma rede na ordem dos 30 a 40 centros em 2020, entre centros próprios e franchisados. Em setembro e outubro, vamos abrir os centros de inspeção do Seixal e de Sintra, a que se seguirão outros. No Grupo Dekra já temos cerca de 7500 centros de inspeção na Europa e, desses, perto de 2500 são franchisados. Queremos aplicar esse conceito em Portugal e reconverter centros existentes, para termos representatividade em todo o país. Com uma rede franchisada é mais fácil gerir o efeito de proximidade, sendo que esses centros beneficiam de todo o nosso “know-how” ao nível técnico, comercial e da gestão dos clientes. Este ano começámos também a fazer em Portugal testes de viaturas novas e de peças. Nesta área, trabalhamos em parceria com as Dekra dos outros países. Já fizemos um teste a 11 viaturas no primeiro semestre e, no dia 15 de setembro, inicia-se um teste a mais 19 viaturas. Perfazendo um total de mais de um milhão de km em 2016.

Que tipo de testes fazem e em que local são realizados?

São testes de estrada, de desgaste rápido, em que tentamos fazer entre 80 e 100 mil quilómetros ao longo de quatro ou cinco meses. O objetivo é verificar o comportamento da viatura ou da peça num ciclo de quatro a cinco anos, período em que um veículo percorre, em média, cerca de 80 a 100 mil quilómetros. Para já estamos a realizar os testes na zona da grande Lisboa. Mas outro dos investimentos que estamos a fazer é numa nova sede, que vai ser nos Cabos d’ Ávila [Lisboa]. Assim que estiver construída, o que prevemos acontecer no final de 2017, passaremos a ter todas as atividades centradas lá, inclusivamente os testes a viaturas, que é o nosso segundo foco de investimento.

Qual é o terceiro? A formação?

Sim. Queremos criar a Dekra Academy, uma academia para o setor automóvel. Um dos nossos grandes objetivos é que os operadores do setor tenham formação e, mais, uma carteira profissional. Nas atividades ligadas ao setor automóvel não há carteira profissional. Isso tem um custo enorme para as empresas, que têm de estar sempre a formar colaboradores, e para as pessoas competentes e capazes, porque, como não há diferenciação, os salários são pagos pela mesma fasquia. Mas queremos ir ainda mais longe e fazer o seguimento da carteira ao longo de toda a vida do profissional. Queremos instituir a carteira profissional, dar formação e competência às pessoas e colocar as que já estão no setor neste circuito.

O sucesso da carteira não pressupõe regulamentação nesse sentido?

Não necessariamente. Um dos problemas que existe no setor é ao nível dos recursos humanos. Por exemplo, há uma escassez enorme de mecânicos bons e competentes. Se existisse uma carteira, para além de se garantir a formação, seria mais fácil perceber quais são as carências, o que é do interesse de todo o setor. Mesmo alguém que trabalhe na receção da oficina tem, hoje em dia, de ter formação comercial, para saber gerir e seguir o cliente. E esta é uma área em que as oficinas, maiores ou menores, vão ter de se dedicar no futuro. Como a Dekra já dá, a nível nacional e internacional, formação para diversas áreas do setor, queremos aproveitar esse “know–how” interno para dar formação qualificada aos profissionais portugueses, seja para entrarem no setor ou para aprofundarem competências e atualizarem-se.

O facto de potencialmente virem a ter apoio do programa “Portugal 2020 ajuda a reforçar a credibilidade desta iniciativa e da formação da Dekra?

Sim, estamos, e vamos continuar, a fazer candidaturas muito grandes ao “Portugal 2020”, exatamente para conseguirmos fundos que permitam desenvolver a formação e criar este “know-how” no setor automóvel com um custo bastante reduzido para os nossos clientes, até porque, em termos de formação, um dos problemas do setor é a rentabilidade e a formação, muitas vezes, é vista como um custo. Mas a grande validade da Dekra a nível formativo deriva do facto de sermos líderes mundiais ao serviço do setor automóvel.

Enquanto os outros centros de formação estão ligados a vários setores de atividade, nós estamos vocacionados para o setor automóvel. A nível internacional, temos academias de formação com décadas. Para além de termos o conhecimento técnico, vamos lançar ferramentas para a formação completamente inovadoras que iremos apresentar brevemente.

APOSTA NO ACOMPANHAMENTO

 A Dekra é também reconhecida pelos serviços de consultoria e acompanhamento. Existirão novidades nesta área?

O acompanhamento às oficinas é outra das áreas que queremos desenvolver. Estamos a começar com as marcas, que já estão a delegar à Dekra a responsabilidade do acompanhamento dos problemas das oficinas. Fazemos isso, por exemplo, em França para o Grupo Volkswagen. Ou seja, quando uma oficina não sabe resolver um problema técnico, liga para a marca, e somos nós que fazemos esse acompanhamento.

Penso que, no próximo ano, esta área será implementada em Portugal. Nesta primeira fase, fazemos o acompanhamento para construtores automóveis e, no futuro, queremos ir para o mercado das oficinas independentes. Hoje há mais tecnologia nos automóveis e, como tal, acaba por ser difícil as pessoas estarem completamente informadas sobre tudo. Quando há dúvidas, estaremos lá.

Considera que, face às inovações, as profissões do setor requerem hoje competências diferentes?

Há dois níveis de transformação. O primeiro é a nível comercial, ou seja, para a receção e venda de serviços, que é o digital. Infelizmente, muitas vezes as pessoas não ligam ao digital e isso é um erro. Há redes que já estão a criar um “call center” para responder ao digital, porque, mais do que dar resposta a este canal, é necessário dar resposta na hora. Isso é uma tendência nas atividades comerciais. Acho que o grande problema é a adaptação às novas realidades e, em Portugal, existe algum conservadorismo.

O segundo é a nível das evoluções nos automóveis, desde a telemática aos sistemas elétricos, são um desafio para o pós-venda, porque, com base nisso, os mecânicos têm de se transformar e, cada vez mais, ser especialistas em mecatrónica. Tendem a existir dois âmbitos na mecânica: os serviços normais de revisões, que facilmente qualquer entidade pode fazer, e a especialização na eletrónica. Em alguns países, o preço da mão de obra é completamente diferente para uma revisão e para solucionar problemas de eletrónica. Paga-se mais pela especialidade, porque esta também obriga a uma formação completamente diferente.

Acha que isso também acontecerá em Portugal?

Não sabemos se será daqui a um ano ou daqui a cinco anos, mas sabemos que vai claramente acontecer, até porque é uma forma de valorizar os especialistas nessa área. É mais fácil ter mecânicos para fazer uma revisão simples do que para trabalhar com eletrónica. A Dekra está atenta a isso. Vamos dar formação nessa área, em que também somos especialistas, até porque colaboramos muito com os construtores na produção de novos carros, para fazer os testes de produto e saber se funcionam bem ou não. Esse “know-how” permite-nos dar o tal apoio às oficinas e formar as pessoas.

 É necessário uma cultura empresarial mais focada na formação?

Em Portugal, quando fazemos uma marcação para uma oficina e não aparecemos, em 80% dos casos ninguém liga para saber o porquê ou a tentar remarcar. É um aspeto comportamental que deriva em clientes perdidos e em faturação perdida. Temos em Portugal um serviço de acompanhamento e recuperação de clientes para as oficinas, que já prestamos para as empresas nacionais, mas também para França e em breve para Itália. Atualmente já contactamos 300 mil e esperamos nos dois próximos anos chegar a mais de 800 mil clientes.

No setor automóvel, as pessoas ainda não estão habituadas a receber um telefonema a saber por que não vão à oficina. Através das chamadas que realizamos, tentamos perceber a expetativa que o cliente tem em termos de serviço. Falamos com o cliente para perceber aquilo de que precisa e o que quer. Nesse sentido, este é um “callcenter” especializado; o seu objetivo não é só comercial, é especialmente de gestão do cliente.Aliás, começámos a desenvolvê-lo aquando da crise de 2009, porque percebemos que, com a descida abrupta das vendas, poderia existir também uma quebra nos serviços.

Antecipámos esse cenário e lançámos um serviço para contrariá-lo. Os resultados têm sido muito bons e todos os meses temos mais clientes. Aliás, o nosso “call-center”, que começou há poucos anos com três pessoas e hoje conta com 40, passará a ter entre 100 e 120 colaboradores, quando estivermos na nova sede. Lançámos o serviço em Portugal, também está a ter excelentes resultados em Espanha, França e brevemente em Itália.

SABER ANTECIPAR NECESSIDADES

A inovação faz parte do ADN da Dekra. É aqui que reside o segredo do sucesso?

Sim. Conhecemos muito bem o setor em Portugal. Isso permite-nos perceber tendências e criar serviços. O que fazemos é perceber o que está a acontecer e o que os clientes, o nosso e o cliente final, precisam.

Como trabalhamos com todo o setor, acabamos por ter muita informação para tomar decisões. Além disso, há, dentro do Grupo Dekra, uma enorme partilha de informação, sistemas informáticos e “know-how”. Em Portugal, temos a clara noção de quais são os problemas e do que está a acontecer, antecipamos e quando precisamos de alguma informação ou ferramenta contamos com o Grupo. A empresa tem crescido muito, porque tem evoluído na organização e na partilha de soluções e de inovações. Todos os meses existem colaboradores a terem formação em diferentes países para promover esta partilha de conhecimento. Fazemos um investimento enorme na formação das nossas equipas, na antecipação e inovação, e acabamos por ter muito sucesso.

No âmbito desse conhecimento, quais considera serem os grandes problemas do setor?

O mais importante, seja para oficinas de proximidade, redes independentes ou concessionários, é saber gerir o cliente, que é cada vez mais exigente e tem mais informação. A Internet acaba por trazer um pouco de transparência, porque o cliente já chega cada vez mais à oficina com a noção dos preços de uma revisão e das peças de que o carro necessita ou não. Procura comentários de outros clientes sobre os serviços e tira dúvidas online. Esta é uma área que vai evoluir bastante e as oficinas vão ter de se preparar para isso, porque mesmo as oficinas das redes oficiais das marcas ainda não estão preparadas para esta nova etapa. Depois, vai haver clientes para todo o tipo de oficinas, conforme os serviços pretendidos. E, aqui, acho que os serviços de conforto vão ter de crescer muito em Portugal, por exemplo, ir buscar a viatura à empresa ou a casa para fazer uma revisão ou inspeção. São serviços que o cliente valoriza e que permitem fazer concorrência. Além disso, também teremos de nos preparar para os clientes que querem ser eles a fazer o serviço de revisão. Tal como apareceram as lavagens automáticas, estão a surgir na Europa redes com espaços que disponibilizam todas as condições para que o cliente faça a sua própria revisão, numa lógica “do it yourself”.

Pela vossa experiência nos centros de inspeção, como caracteriza o parque circulante nacional?

Nas grandes empresas de gestão de frotas há uma preocupação de ter as viaturas em boas condições de circulação. Já no que diz respeito aos independentes, fazemos um grande esforço para explicar às pessoas quais as consequências de se ter um determinado problema no carro. Temos um papel pedagógico e investimos algum tempo dos nossos profissionais nesta sensibilização.

 Face às novas tecnologias e sistemas que começam a ser implementados nos automóveis, que desafios enfrentam os centros de inspeção?

Honestamente, ainda não sabemos o que a legislação obrigará no futuro. Por exemplo, não sabemos as exigências para num centro de inspeções podermos analisar as condições de uma bateria. A legislação para essas viaturas vai partir de Bruxelas. Estamos atentos a essas novas leis porque quanto ao conhecimento técnico devido a estarmos a ajudar algumas marcas a desenvolverem essas tecnologias já temos “know-how” interno.

Entrevista publicada na Turbo Oficina 52

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