Bruno Dias (PCP): “O aumento de impostos está a traduzir-se num mercado paralelo sem precedentes”


Data: 11 Abril, 2013

Na edição de aniversário da Turbo Oficina ouvimos os grupos parlamentares sobre o setor automóvel e o aftermarket. Durante esta semana publicamos as cinco entrevistas. Hoje é a vez do PCP.

 

– Como analisa a atual situação do mercado automóvel em Portugal?

A situação é simplesmente catastrófica. As vendas do mercado automóvel decresceram 60% em relação ao ano de 2008. Quebra fácil de perceber, tendo em conta a diminuição do poder de compra e o arrefecimento geral da economia, decorrentes da imposição de medidas autistas e erradas que agravam os problemas ao invés de os enfrentar e resolver.

 

– E em relação ao mercado da reparação e manutenção automóvel?

As pessoas não têm dinheiro para mandar reparar os seus carros. Os pneus andam até os arames ficar à mostra. Os travões vão até ao fim, com discos que deveriam ter sido substituídos há muito. A segurança rodoviária está em causa. São muitas as viaturas a circular sem inspeção e sem seguro. Quanto ao sector, sabemos que a competição incessante, baseada unicamente na diminuição de custos para o cliente, no limite anula todas as vantagens de qualidade e racionalização. Por exemplo, porque se repercute negativamente nos rendimentos e consequentemente nos salários e condições de trabalho. Um clima de desbragada concorrência induz um ciclo pernicioso: se tudo baixa em cascata – rendimentos, salários, poder de compra, receitas fiscais – a economia e a sociedade adoecem. Daí a critica à visão neoliberal e a necessidade de regras que salvaguardem, acima de tudo, o valor e os direitos do trabalho.

 

– Este tem sido um dos setores mais afetados pela crise e pelo aumento de impostos. Foi um mal necessário?

Não foi um mal necessário! Que vão fazer pessoas com mais de cinquenta anos, dos milhares de oficinas que encerraram nos últimos anos? Esse aumento de impostos está a traduzir-se num mercado paralelo sem precedentes… com a consequente fuga aos impostos! O atual aumento de impostos não é solução ou sequer paliativo para a crise. Mantemos essa posição desde o início e, ao que parece, agora quase toda a gente acaba por nos dar razão.

 

– Qual é o caminho para recuperar este setor?

Antes de mais nada, dar poder de compra aos portugueses, desde logo nos salários e reformas, e baixar os impostos, nomeadamente o ISV dos segmentos mais baixos. Não se pode acreditar com seriedade num setor automóvel em permanente e “infinita” expansão do número de unidades comercializadas, seja qual for o clima económico. Na Europa e na generalidade do mundo ocidental, o futuro terá de passar por uma racionalização nos transportes, por várias razões, das quais destacamos as energéticas e ambientais. O setor deverá posicionar-se nessa realidade, na qual a qualidade se sobreporá à quantidade, o que na verdade já está a ser feito, com a procura contínua de inovações para melhorar a performance, a segurança e o impacto no ambiente. Se estivessem a ser adotadas as medidas corretas para ultrapassar a crise, favorecendo a economia que produz e acrescenta valor, em vez da economia de “casino”, o setor automóvel, nomeadamente em Portugal, teria um futuro promissor, embora mais equilibrado do que até agora, pois muito há a fazer na renovação e otimização de todo o tipo de frotas.

 

– Quais as ideias que o seu partido tem para o setor das oficinas/reparação/manutenção automóvel, onde se incluem grandes grupos no setor das peças também?

Não existindo poder de compra é como tentar fazer omeletas sem ovos. Em todo o caso, e quanto às oficinas, do que temos observado há situações distintas. A questão do saber, e do saber especializado, é nesta área muito importante. Trata-se de um aspeto onde facilmente se encontrariam soluções para apoiar o setor. A visão estratégica para o setor automóvel, contudo, deve passar por outros aspetos. A revitalização económica exige intervir nos mercados não só como consumidor mas como produtor. Portugal não pode continuar a desprezar a vocação tecnológica. Os diversos níveis de poder têm de olhar cada segmento, cada atividade empresarial, com uma visão de conjunto e respostas específicas. A economia será tanto mais forte quanto maior for a componente de valor acrescentado nacional, na construção e transformação de veículos, de componentes e peças, de equipamentos e ferramentas para assistência. É essa responsabilidade que o país tem de chamar para si próprio, não por um retrocesso ao isolamento, mas pela manutenção de relações saudáveis entre parceiros que se organizem pelas mesmas regras, entre as quais não se pode admitir a degradação do valor do trabalho.

 

– Esta política não pode fazer com que outras empresas multinacionais não se queiram radicar em Portugal?

As multinacionais aparecem onde se pode criar riqueza e ganhar dinheiro, o que com estas políticas não é o caso de Portugal. É importante diferenciar o que é diferente. Empresas só para vender peças importadas, ou para fornecer serviços a preços mais baixos, baseados apenas na redução dos custos e condições de trabalho, não são especialmente importantes para a economia. Empresas sólidas, que tragam qualidade e saber, onde se incorpore mão-de-obra qualificada para exercer em condições dignas, são muito importantes. Mas não mais importantes que as formadas ou desenvolvidas com bases nacionais, quando o país se consciencializar que o futuro passa pelo incremento da sua capacidade tecnológica e produtiva.

 

– Depois desta crise julga que o setor automóvel estará mais forte ou foi totalmente aniquilado? Esta foi uma forma de “limpar” um pouco o mercado?

O mercado poderá ficar “limpo”. Mas cairão muitos, por culpa do que atrás referimos da concorrência desleal. E sobre isso o Governo nada faz. Com a simples imposição do livro de receitas do liberalismo não haverá fim da crise: outras medidas são necessárias. Mas se simplesmente voltarmos à situação pré-crise, ao desprezo pelo rigor, pela ética, ao desregramento sob o pomposo chavão da “globalização”, rendidos ao canto das sereias que nos “compram” o despojamento da capacidade produtiva e da soberania económica, aos ditames de quem apenas movimenta e acumula dinheiro, simplesmente cairemos numa nova crise. Precisamos de encontrar, entre instituições, empresas, cidadãos e estados, um equilíbrio inteligente que conduza ao crescimento estável em detrimento da mudança intempestiva, sem sustentáculo nem objetivo válido, que tanto se tem defendido.

 

– Prevêem alguma medida urgente para incentivo às PME?

Sim. Aqui destacamos abreviadamente medidas fiscais e apoios ao nível dos fundos comunitários/QREN. É fundamental assegurar um comportamento das empresas de Seguros que seja em conformidade com as leis nacionais da concorrência.

 

– A profissionalização é o caminho? As empresas portuguesas têm capacidade para competir com as empresas internacionais?

No esforço de melhorar para garantir o rendimento e a sobrevivência, os setores ligados ao ramo automóvel têm sido dos mais dinâmicos. Essa dinâmica, embora nem sempre traduzida em resultados, verifica-se, por exemplo, nas profundas alterações das relações entre marcas e representantes, na conglomeração de várias representações numa única empresa, ou no multiplicar de estratégias de assistência. Movimentações e experiencias que são tentativas de resposta ao acentuar dos problemas, mas também sinais de dinamismo e capacidade.

 

– A fuga de impostos é um problema em algumas destas empresas, nomeadamente em oficinas que trabalham à margem da lei. Qual a medida que defendem para acabar com este problema?

É indispensável resolver o problema social daqueles que são afetados pelos encerramentos, que ou não tem reformas, ou então são muito baixas. Essa concorrência existe devido aos altos impostos nomeadamente o IVA. Quando os impostos baixarem, se resolverem os problemas sociais, será então necessária fiscalização.

 

*Bruno Dias é deputado do PCP

Amanhã publicamos a entrevista com Ana Drago, deputada do Bloco de Esquerda.

 

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